Livro: Vulgo Grace – Margaret Atwood

Publicado originalmente em 1996, Vulgo Grace de autoria da escritora canadense Margaret Atwood, narra à história de Grace Marks, uma jovem acusada de assassinar seu empregador e a governanta. A leitura dessa obra espetacular foi realiza em conjunto com a Michelle (clique aqui para conferir as impressões da Mi) para nosso lindo projeto Lendo Margaret Atwood (^_^).

O romance de Atwood se inspira em fatos factuais dos famosos assassinatos de Thomas Kinnear e sua governanta Nancy Montgomery por dois criados, James McDermott e Grace Marks, que foram condenados pelo crime em meados do século XIX no Canadá. Enquanto McDermott recebe a pena de morte por enforcamento, Marks é condenada a prisão perpétua. Durante a pesquisa para o livro, a autora encontrou discrepâncias e certa quantidade de embelezamento no caso; incluindo na narrativa essas falhas de conexão para contar sobre a duvidosa honra de Grace ser uma das primeiras mulheres criminosas do país.

Embora o romance seja baseado em fatos reais, a autora constrói com grande destreza uma narrativa incrivelmente bem elaborada, nos conduzindo passo a passo na vida de Grace, seja pela voz da personagem título, seja pelo olhar de terceiros. Acompanhamos a jovem desde sua infância, da migração de sua família da Irlanda para o Canadá, das suas experiências dolorosas num ambiente de extrema pobreza e de violência doméstica, das distintas mudanças que ocorreram na sua vida, da cumplicidade, das certezas e incertezas de variados fatos até o ponto final.

Também descobrimos nesse rico cenário, flagrantes do cotidiano das criadas, das condições do ambiente doméstico, do comportamento frívolo da classe abastada, do sistema judiciário medíocre, dos jornalistas sensacionalistas, do terror dos asilos psiquiátrico e das prisões, das opressões do sistema para com a classe desfavorecida e dos estigmas. Um escrito primoroso que engloba um panorama detalhado de contextos daquele período. E não posso me esquecer das personagens, que são construídas com uma realidade impressionante, cheia de nuances, de crueza nas suas ações e pensamentos mais íntimos.

A interação de Grace com o jovem médico em saúde mental Simon Jordon é um dos momentos instigante do romance. Enquanto que Jordon aceita o caso para atingir um objetivo que lhe será proveitoso; que é o de abrir um asilo particular. Por outro lado, Marks dança conforme a música nas sessões; mesmo que esses momentos sejam uma boa distração da realidade de prisioneira. Nesse envolvimento, ambos, mas principalmente Simon, estão jogando por benefício próprio. Se o jovem médico conseguir provar sua teoria através de seus métodos, ele atingirá um bom benefício; enquanto que Grace nutre uma esperança de ter uma vida fora das grades. Com esse panorama, mesmo que achamos que Grace “manipule” o ingênuo doutor, devemos entender a situação limitada dela, que viu nessa ação de Simon, uma chance.

Esboços de Grace Marks e James McDermott de seu julgamento em 1843. Coleção da Biblioteca Pública de Toronto.

Ah, por favor, não vão pensando que Vulgo Grace é um thriller psicológico que lhe entregará mastigado a solução do caso. Essa não é a essência do romance. Acredito que Atwood quis mostrar nessa obra a gritante diferença de classe e a submissão dos desfavorecidos, principalmente da mulher pobre. Bem como comparar o caráter moldado daqueles que vivenciaram os percalços da vida, dos indivíduos de família de meios que estão desconexos da realidade. Todos os elementos da vida da protagonista, bem como de todas as personagens que cruzam seu caminho, estão ai para mostrar a realidade injusta do sistema como um todo. Então o fato de Grace ser ou não culpada fica completamente em segundo plano. Até porque nem se sabe realmente se ela foi um instrumental no assassinato, ou simplesmente um acessório que agiu de forma involuntária.

Quanto à escrita de Margaret Atwood, ela é primorosa e extremamente viciante. Chega a impressionar como suas palavras exalam uma espiritualidade e sensibilidade social daquele período, seja nas vozes altas e nos pensamentos, como dos momentos comuns e dos fenômenos sobrenaturais. Apreciei também os anexos, como as citações, trechos de jornais e outros elementos que complementaram a reunião das peças dessa trama. Margaret tem um estilo tão próprio, tão grandioso, que eu fico impressionada como alguém consegue ser tão maravilhosa. Me faltam elogios para afirmar o quão Atwood tem uma escrita poderosa.

Ao entrelaçar fatos históricos com ficção, Margaret Atwood trás em Vulgo Grace uma narrativa fascinante, cheia de nuances e riquezas. Um belo escrito da sociedade e de seus mecanismos. Um romance que merece todos os louvores por sua estrutura narrativa impecável. Sem sombra de dúvidas, uma das melhores leituras deste ano (*-*).

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Título: Vulgo Grace
Título original: Alias Grace
Autora: Margaret Atwood
Tradução: Geni Hirata
Editora: Rocco
Páginas: 496
Ano: 2008

9 respostas em “Livro: Vulgo Grace – Margaret Atwood

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  2. Mais uma vez, Atwood conseguiu criticar a sociedade com sua escrita precisa, mas sem pesar a mão a ponto de transformar a história em algo panfletário. Independente do desfecho do caso (ou da falta dele), conhecer personagens tão interessantes e complexos foi um prazer.
    Lulu, muito obrigada pela companhia em mais uma leitura (e discussão). ❤
    E que venham as próximas! 🙂

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