Livro: MaddAddão – Margaret Atwood

Finalmente o tão aguardado fim da trilogia especulativa pós-apocalíptica MaddAddam, que é iniciada com Oryx e Crake e seguido por O Ano do Dilúvio, é editado no Brasil. MaddAddão, de Margaret Atwood, foi publicado originalmente em 2013 e é narrado na perspectiva de Toby e Zeb. A leitura desse romance surpreendente é referente ao projeto Lendo Margaret Atwood, do qual faço em conjunto com a Michelle (clique aqui para ler as impressões da Mi).

Depois de enfrentarem à pandemia, os jardineiros sobreviventes reconstruíram uma aparente estabilidade na pequena comunidade que formaram com os ingênuos Filhos de Crake. A frente do grupo, Toby e Zeb tentam manter a comunidade organizada, apesar da ameaça dos dois cruéis painballers. Enquanto os Crakes aprendem o significado das palavras e o poder da escrita através das “lendas” do passado narradas por Toby e pelo jovem Barba Negra, quatro mulheres no grupo aparecem grávidas, e todos se perguntam quem são os pais.

O interessante na trilogia MaddAddam é como Atwood constrói a narrativa, alternando com grande destreza entre presente e passado. A estrutura é mantida em todos os livros: primeiramente descobrimos a história de Jimmy (Homem das Neves), na sequência de Toby e Ren, e quando chega à conclusão, a trama é centrada na relação de Toby e Zeb. Mas nesse último caso, enquanto Zeb revela seu passado, trazendo ao leitor informações cruciais no entendimento desse desastre, Toby se torna uma figura de transição, do que era a sociedade dominada pelas corporações para um futuro sem definição. É através de seu conhecimento, paciência e suas fábulas que ela dará a base necessária para que os sobreviventes e os Filhos de Crake formem o início de uma nova sociedade.

Não creio que Margaret Atwood simpatize com o comunismo, afinal pelo que já vi em algumas entrevistas, ela passa longe da foice e do martelo. No entanto, as ideias e críticas presentes em seus romances do gênero de ficção especulativa tem um tom bastante progressista; enquanto que nas entrevistas ela me passa a impressão de ser aquela esquerda branda, bem típica dos países de primeiro mundo, que não dão muita importância ao que acontece fora de sua bolha. Enfim, nessa trilogia a autora canadense trás características denunciantes quanto à podridão do que é o sistema capitalista.

Empregou-se na Ristbones, um grupo especializado em pirataria de urnas eletrônicas. Isso além de ser rentável tinha sido fácil na primeira década do século – ao controlar as máquinas você podia favorecer ou desfavorecer qualquer candidato, caso os votos reais estivesse equiparados. Mas com a indignação fazendo muito alvoroço e a aparência de democracia ainda tinha como digna de ser preservada, instalaram-se os firewalls e agora o trabalho era mais complexo. (p. 211)

A Ristbones acabou descartada, o que ele teria feito cujo vazamento pudesse causar confusão? A pirataria nas urnas eletrônicas era um sefredo aberto, mas a despeito dos rumores midiáticos, ninguém queria voltar para o velho sistema de cédulas de papel, e a Corp, proprietária das urnas, escolhia os vencedores e recebia as propinas de quem tinha feito um trabalho lunar de relações públicas. Além do mais, os opositores contumazes eram difamados como comunistas porque estragavam a diversão de todos, até mesmo daqueles que não se divertiam. Eles poderiam estragar a diversão mais tarde. A diversão nas alturas. (p. 217 e 218)

A impressão de denúncia ao capitalismo veio desde a leitura do primeiro volume da trilogia, o qual destaco nas minhas impressões. Enquanto que as duas citações acimas trilham o mesmo caminho reforçando o quão imprestável é este sistema. A democracia capitalista é uma aberração e uma ditadura disfarçada por eufemismos. Para começar o nome correto deveria ser: plutocracia. Todos os aspectos da sua vida são ditados e controlados pelas megacorporações, multinacionais e bancos. Essas empresas dominam o estado a partir do financiamento de campanhas de entes eleitos e suborno dos demais não sujeitos a pleito. Duvida? Saúde: os planos de saúde transformam a sua enfermidade em lucro e angústia. Alimentação: essas empresas fabricam os produtos que você come com as piores matérias primas possíveis, incluindo a tortura de animais, para reduzir custos. Notícias: 90% da informação que você recebe estão concentrados nas mãos de quatro famílias multimilionárias. Poderia continuar aqui dando outros exemplos. No entanto esses já bastam para afirmar que a democracia capitalista é uma farsa.

Quanto à conclusão, o destino das duas figuras centrais foi lamentoso. Não no sentido que Atwood desenvolveu mal a narrativa ou os personagens, longe disso. MaddAddão é incrível! Não tenho críticas. O que me refiro é a injustiça. Eu senti uma angústia com o fim de Zeb, mas principalmente com o de Toby. Imaginá-la caminhando para seu fim foi uma narração que me causou bastante impacto. Mas o que aconteceu com eles, infelizmente, é uma consequência de um sistema que oprime e consome tudo que é vivo.

Impulsionada por uma imaginação transbordante e inspirada pelo caos circundante, MaddAddão, de Margaret Atwood, conclui admiravelmente, com certa melancolia e esperança (e com paralelo ao nosso presente e futuro?) a sensacional trilogia especulativa pós-apocalíptica MaddAddam.

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Título: MaddAddão
Título original: MaddAddam
Autora: Margaret Atwood
Tradução: Márcia Frazão
Editora: Rocco
Páginas: 448
Ano: 2019

4 respostas em “Livro: MaddAddão – Margaret Atwood

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  3. Oi, Lulu.
    Esse foi exatamente um dos trechos que marquei enquanto lia. Quase postei na minha resenha também…rs. Acabei escolhendo outro porque era mais curto.
    Como sempre, foi uma leitura interessante, que faz pensar sobre como as sociedades se organizam e o que priorizam. E neste momento as situações do livro estão ainda mais vívidas, não?
    Mais uma vez, obrigada pela companhia e pela paciência.
    Bjo e até a próxima!

    • Hei, Mi!
      Estamos em sintonia por marcar os mesmos trechos, hahaha.
      Gostei bastante dessa trilogia justamente por retratar um sistema econômico irmão ao nosso. Num é, bem vívidas (>_<). Mas nossa situação é mais alarmante (*a realidade sempre é pior*).
      Eu que agradeço pela sua companhia (^_^).
      Até a próxima leitura do nosso projeto lindo! Beijos!

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