Livro: Oryx e Crake – Margaret Atwood

Oryx e Crake, da canadense Margaret Atwood, foi publicado originalmente em 2003 e faz parte da trilogia MaddAddam (composta pelos livros Oryx e Crake, O Ano do Dilúvio e MaddAddam – o terceiro ainda sem tradução para o português (Ç_Ç)). A leitura desse romance incrível faz parte do projeto Lendo Margaret Atwood, do qual faço em conjunto com a Michelle (*e do qual tivemos uma discussão bastante enriquecedora e creio que uma das melhores do projeto*).

O narrador, Homem das Neves, está sozinho e acredita ser o último da sua espécie. A raça humana foi condenada por uma pandemia mortal, destruindo assim a civilização mundial. Mas Homem das Neves não está completamente sozinho… Ele se encontra cercado pelos Filhos de Crake, uma nova espécie criada em laboratório pelo seu amigo. Diante deste cenário, Homem das Neves, que um dia se chamou Jimmy, revelará sua vida de antes, quando convivia com os pais nos chamados Complexos, quando conhecera seu amigo Crake e sua amada Oryx.

Margaret Atwood trás em seu romance uma visão indesejável e bastante negativa do futuro do mundo. Baseado em elementos do sistema capitalista, em Oryx e Crake o sistema vigente é controlado por megacorporações que financiam avanços tecnológicos e biológicos para melhor controlar a população. Nessa realidade as classes sociais são divididas entre os Complexos (onde habitam os endinheirados e os intelectualmente capazes) e a Terra dos Plebeus (onde sobrevivem os considerados normais).

Com esse panorama dado pelas lembranças de Jimmy, vemos o condicionamento e a degradação como indivíduos dos privilegiados, a frenética mutação genética em laboratório das espécies (como por exemplo, os porcões e os lobocães) e a exploração violenta de pessoas desfavorecidas e dos animais.

Homem das Neves

Desconheço o lado político de Margaret Atwood, mas pela impressão que ela me passa em seus livros, ela no mínimo simpatiza com questões progressistas. Então, minha interpretação de Oryx e Crake tendeu para este lado. Acredito que o romance seja uma crítica ao nefasto sistema capitalista. A narrativa seria um reflexo do nosso sistema atual e para onde o capitalismo, com sua administração caótica, conduzirá o mundo a um cenário deteriorado e talvez sem volta. Bem, é o que está acontecendo há décadas: ricos se isolando, milhões cada vez mais pobres, doenças sofrendo mutação ou não recebendo o devido controle, e por fim, uma existência ditada e dominada pelos meios de comunicação (setor capacho da elite).

Assim como revela nos flashbacks de Homem das Neves em que cada atividade do indivíduo era controlada, por aqui também cada ínfimo elemento da vida está em constante vigilância dos grandes monopólios, que ditam o que devemos consumir e pensar. Mas principalmente cria uma ilusão de liberdade, onde o prisioneiro acorrentado crê piamente que suas ações e pensamentos são próprios.

Jimmy e os Porcões

Me parece que em Oryx e Crake, Atwood primeiramente visiona, mas essencialmente critica este tipo de política, onde coloca as megacorporações no domínio da vida. Mesmo o capitalismo tendo inicialmente sua importância na evolução da humanidade, sua constante deterioração política na exploração insaciável e inconsequente, causou e ainda causa a destruição dos recursos naturais e ruína de todas as esferas universais. Se continuarmos com o capitalismo, que é controlado por uma pequena e tirânica classe dominante que detém todos os meios de produção, só há como cenário um futuro nefasto. Entretanto, enxergando a perspectiva da nossa realidade pela imbatível e prática análise socioeconômica de Karl Marx, desde o firmamento do capitalismo uma luta material e econômica é travada entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. Enquanto o capitalismo se estrebucha para manter-se erguido, a ditadura do proletariado e posteriormente o comunismo são sistemas inevitáveis na história da humanidade, pois já temos o necessário para uma vida plena. Não é uma questão ideológica ou moral, mas uma inevitabilidade lógica do desenvolvimento das forças produtivas.

Coelhos Luminosos Verdes e Homem das Neves

Quanto ao grotesco tratamento genético dos animais para consumo no romance, lembra bastante o modo de produção capitalista da indústria da carne (incluo também os ovos, etc.), onde os animais sofrem horrores porque sai barato. Para essas grandes corporações, não é lucrativo o bem estar dos animais. Sem dúvida uma realidade triste. Porém os animais só ganharão um cenário que lhe proporcione um cuidado mais ético (*afinal, não se pode obrigar as pessoas a pararem de comer carne*), quando o capitalismo, que apresenta este nefasto modo de produção, for completamente eliminado.

Em suma, Oryx e Crake é um romance que trás um olhar nítido sobre nosso sistema vigente. Não posso deixar de pensar que Margaret Atwood tem um olhar aguçado e uma mente perspicaz para narrar uma história cheia de desesperança para com o futuro da raça humana e do sistema que a engloba. Uma escritora indispensável!

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Título: Oryx e Crake
Título original: Oryx and Crake
Autora: Margaret Atwood
Tradução: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Páginas: 344
Ano: 2007

8 respostas em “Livro: Oryx e Crake – Margaret Atwood

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  2. Oi!
    Tive um fim de semana megacorrido e só agora consegui parar para ler sua resenha. Mais uma vez, ótimas reflexões. E que imagens maravilhosas você botou para ilustrar o post! Concordo com você: essa foi nossa discussão mais produtiva. Está pronta para escolher a próxima leitura?
    Beijo e muito obrigada pela companhia! ❤

    • Obrigada! (^_^) Mi, é só clicar em qualquer ilustração do post que segue para a fonte. O jason-courtney (nickname do desenhista) retratou “Oryx e Crake” muito bem; daria um ótimo quadrinho no traço dele. Nossa discussão foi deveras produtiva! Gostei muito (^_^). Claro que estou pronta para a próxima leitura o/
      Obrigada também pela companhia ♥. Beijo, Michelle!

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  6. Sua resenha esta maravilhosa. No momento estou lendo o primeiro dos três. E sim concirdo com vc, nessa ficção distópica da de ver bem as criticas e para quem é direcionada. cada virada de pauta queremos destacar coisas para conversar com alguém. Até aqui na leitura gostaria de destacar cada coisa.
    Mas vou destacar somente uma coisinha. Sobre as mulheres, sem pêlos, sem manchas sem um pneuzinho…
    Realmente, as mulheres estavam se padronizando, todas loiras, todas tanto as jovens como as mais maduras, todas com o mesmo biótipo. Padronizadas… era para isso mesmo que estávamos caminhando. Se não fosse eu começar a reparar que as mulheres estão sim notando esse padrão. E com leituras sei lá com alguma coisa as tocando. Ja comecei a ver isso regredir. Essa padronização a conferir.
    Espero tbm que a Margaret esteja errada em relação aos animais, natureza…
    Embora nós ja chegamos ao ponto que ou vamos parar no mundo de orix e clark. Ou mudamos já.
    Pelo jeito esse virus vai se encarregar de nos fazermos repensar nossos hábitos alimentares e de como usamos os recursos naturais.
    Abç ae

    • Olá, Cinai! Primeiramente, obrigada pelo elogio as minhas impressões (^_^).
      A descrição do sistema socioeconômico da trilogia “MaddAddam” parece bastante com o declínio (ou falência) do capitalismo. Por isso acredito que Atwood faz uma crítica ao sistema capitalista.
      Pois é, “Oryx e Crake” é uma boa narrativa para discutir (a trilogia como um todo).
      Quanto às mulheres Crake com o físico perfeito, sua observação foi boa. O padrão de beleza vem do contexto econômico e cultural, mas também da dominação. No Brasil, por exemplo, o que achamos belo e desejável se espelha nos Estados Unidos. A redução dessa padronização por aqui é igualmente importada (dos Estados Unidos e da Europa). Afinal, o mundo vive no mesmo sistema socioeconômico, e claro, cada país apresenta suas particularidades.
      Eu não sei sobre o futuro, mas sendo o capitalismo nosso sistema vigente, o horizonte continua sendo de degradação. Quando viver se tornará insustentável, algo novo surgirá pela resistência das massas.
      Acredito que qualquer intenso acontecimento na história traz modificações (boas ou ruins) a sociedade.
      Cinai, agradeço o seu interessante comentário.
      Boa leitura! Beijos!

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